domingo, 18 de julho de 2010

Circularidade na Matemática?

     Antes de abordar a circularidade em Matemática, vejamos o que seja definição circular. A definição circular é dada por um enunciado no qual se define um conceito usando o próprio conceito na tentativa de definir. Em outras palavras, ele assume um entendimento prévio de termo que está sendo definido. Neste tipo de definição, o termo a ser definido é incluído como parte da definição e, por isso, a definição circular é caracterizada como um caso especial de falta de clareza no qual não fornece informação nova ou útil.

     Na Matemática, a circularidade ocorre quando se quer construir “algo”, entretanto, a existência desse “algo” já é tomado a priori, isto é, antes da construção. Por exemplo, a maioria dos livros didáticos introduz os números reais através da seguinte circularidade: os irracionais são números que não são racionais e o conjunto dos reais é a reunião dos racionais com os irracionais. Neste caso, se mantém a crença da existência prévia de um conjunto.

     A circularidade em Matemática ocorreu também no decorrer da História dessa ciência. Baldino coloca que quando Gauchy define os números irracionais como um limite de uma seqüência de números racionais, ele cai numa circularidade, uma vez que dizer que uma seqüência de números racionais converge para um limite – número irracional -, por definição de limite, esse número pré-existe. Nesta análise feita por Baldino, o autor faz uma analogia às categorias de lugar e presença de forma que “algo” que se pensava como número estava presente no lugar para onde a seqüência convergia como que à espera que a convergência se consumasse. Para Baldino, a seqüência apenas indicava o lugar para onde certa presença, conceitualmente distinta dela e construída anteriormente a ela.

     Outro caso de circularidade em Matemática está na definição de número racional ou irracional proposta por Dedekind através do conceito de cortes. Para Dedekind, um corte na reta real produz duas classes (subconjuntos): A e B de tal forma que seja um elemento α∈A e um elemento β∈B é possível fazer com que a diferença entre esses elementos, isto é, α-β diminua quantas vezes se queira. Neste caso, têm-se duas possibilidades: o conjunto A possui supremo ou o conjunto B possui o ínfimo. Em qualquer uma das possibilidades anteriores temos, então, um corte racional; o contrario disso é termos um corte irracional. Baldino coloca que a circularidade permanece nessa definição, visto que na época da construção de cortes só existia números racionais e por esse caminho, os números irracionais é dado como conhecido e depois é construído um processo para construí-los. Em outras palavras, não poderia se utilizar os números irracionais e como isso aconteceu, o Dedekind caiu numa circularidade.

     Na Matemática obedece a um princípio no qual os seus objetos devem ser construídos axiomaticamente e Dedekind quebrou esse principio, isto é, criou um obstáculo epistemológico, isto é, dificultou a compreensão do que seja número irracional e como conseqüência, acabou falsificando a Matemática.

     Mas como a Historia da Matemática resolveu o problema da circularidade relacionada aos números irracionais? Segundo Baldino, a história da Matemática evitou a circularidade assumindo-a, isto é, quando a mesma compreendeu que, para construir uma presença no lugar que o processo indica nada mais se tem ao não ser o próprio processo. Em outras palavras, o número irracional é o próprio processo e não o lugar que o processo indica.

Sugestão de Leitura:

BALDINO, Roberto Ribeiro. A ética de uma definição circular de número real. Bolema. Rio Claro, a.10, n.9, p.31-52, 1994.

Números Irracionais ou Números Incomensuráveis.... Por qual motivo são chamados de incomensuráveis?

     Para entender esse processo, antes, se faz necessário compreender o conceito de medir. Isso mesmo, medir é comparar grandezas de mesma espécie – dois pesos, dois comprimentos, etc. - e muitos apresentam resistência a entender esse conceito, apesar de usá-lo com bastante freqüência. Comparar grandezas de mesma espécie? Bem, Imagine três seguimentos de reta, são grandezas de mesma espécie, não são?

A_____________________B

C_____________D

E______F

     Pois é... Usando essas grandezas podemos ter as seguintes possibilidades:

• CD cabe um número exato de vezes em AB, logo o resultado dessa medida é um número inteiro.

• CD não cabe um número exato de vezes em AB. Porém, pode existir outro segmento, EF, que caiba um número exato de vezes em CD e outro número exato de vezes em AB; o resultado da medida é um número fracionário.

• Nem EF cabem um número inteiro de vezes em AB e nem outro número inteiro de vezes em CD. Neste caso, AB e CD são grandezas incomensuráveis.

     Um exemplo de grandezas incomensuráveis é a medida da diagonal do quadrado e o seu lado como unidade de medida. A descoberta dessas grandezas deixou a comunidade grega, em especial a comunidade pitagórica numa situação desconfortável, uma vez que para Pitagóras tudo era número. Sabemos hoje que a medida da diagonal usando o lado do quadrado como unidade de medida é dada pela raiz quadrada de dois. Os gregos perceberam geometricamente que esse número existia, porém não conseguiram mostrar aritmeticamente esse processo, uma vez “o universo dos gregos era limitado a coisas mais imediatamente acessíveis aos sentidos” (DANTZIG, 1970, p.96). O fato é que a existência desses números contrariou intuição geométrica dos gregos.

     Enfim, a descoberta das grandezas incomensuráveis desencadeou a primeira crise da Matemática e esse enigma só foi esclarecido quando o conceito de número deixou ter uma visão quantitativa e passou a ter uma visão qualitativa, o que permitiu a construção da teoria dos números irracionais. Esse tema ainda deixa muitos professores numa situação desconfortável, já que normalmente não tem uma definição clara sobre esses números quando são abordados por seus alunos. A tese de Antonio Miguel, além de esclarecer em aprte a historia da criação desses números, traz várias sugestões de atividades relacionadas ao tema para serem aplicadas em sala de aula. Outra opção são os artigos de Geraldo Ávila: Incomensuráveis irracionais e Eudoxo Dedekind.

Sugestão para leitura:

ÁVILA, Geraldo. Grandezas incomensuráveis e números irracionais. RPM, n. 5.

Números Negativos... Por que os nossos alunos têm tanta dificuldade de entendê-los?

     Os números negativos não existem no mesmo sentido dos naturais na vida cotidiana. Esses números foram criados para atender uma necessidade da ciência Matemática e, por esse motivo, é tão difícil fazer os nossos alunos compreender as operações entre eles, entretanto, a didática não pode ignorar o caráter teórico desta noção matemática. Estabelecer o conceito de número dando-lhe uma abordagem qualitativa ao invés da abordagem quantitativa seria o primeiro passo para fazer os nossos alunos entenderem o motivo da sua criação. Segundo Glaser (1985), foi preciso esperar mais de 1500 anos para afirmar que a regra de sinais não apresenta dificuldade à compreensão e para entender esse processo, o mesmo elaborou um estudo de textos dos melhores autores, o que permitiu identificar obstáculos que se opunham à compreensão dos números negativos. Ele notou que as dificuldades vividas por matemáticos como Euler e d’Alembert são as mesmas que perturbam os jovens estudantes, determinando seis obstáculos se opõem à compreensão e ao aprendizado da Matemática. Muitos professores não percebem que a aprendizagem da regra dos sinais possa comportar dificuldades. Por outro lado, apesar de haver muitos trabalhos didáticos a respeito da análise dos conceitos numéricos, poucos retratam das regras de sinais. A leitura do texto “Epistemologia dos números negativos” de Glaser é uma excelente opção para embasar a prática pedagógica do professor, fazendo, assim, compreender os erros cometidos por nossos alunos ao estudar os números negativos.

Sugestão para leitura:

GLAESER, Georges. Epistemologia dos números negativos. Boletim GEPEM. Rio de Janeiro, n. 17, p. 29-124, 1985.